sexta-feira, agosto 01, 2008

Prelúdio de uma morte

Ela conseguiu. Neste corpo de mulher onde a alma é o cenário da vida, nos confins das leis dos homens, Ela consumiu sua essência perfumada de mortal. Proferiu pródigas palavras as quais adormecem nos contratos obscuros que, naturalmente, este corpo de mulher foi espontâneamente subjulgado a assinar. Enfim, depois de todo esse tempo - esse meteoro tempo em cabides de umbrais e regiões inóspitas da imaginação e mente-ato onde os espetáculos de cores e calores, sensações e orações - o enorme e colossal e devastador meteoro então colide com toda a verdade e todo espinhoso mistério de seu Ser, e o corpo de mulher sucumbe à pressão da colisão e todo o vazio árduo do vácuo se resume no último segundo ao eterno e infinito pesar do nada sobre seus pulmões. O peso do nada sobre teu umbigo. O corpo equilibra-se sobre a tênue linha da silhueta da luz, e o escuro amplo da imensidão da simplicidade de morrer alvorece em sua pele. O turbilhão então colide, concluí e segue em frente. Seu sofrimento acabou junto a teus membros, teus olhos, tua lingua, teu profundo compadecimento, aceitação e auto-crítica. Foram levados para a incompletude do vago soar da aurora dos mortos. Para o esquecimento provocado por sua própria engenharia. Uns dizem morte, talvez eu diga que é como o mais amargo e elegante acaso de uma harmonia.

domingo, julho 06, 2008

A Pressa e o Tempo

Venho lhes dizer através deste sussurro contemplativo
Que encontrei um prêmio valioso
Para recarregar com ira e gozo
O tormento verde folha, habitante da arvore principal,
Que flui no mesmo casco, mesmo cesto
Ao qual me proponho aqui elogiar
Nestes versos acesos no perene insignificado das coisas.

Surpreendente tíbia de minha velocidade.
Explícitos e temperamentais cargueiros
Despedem-se desgastados por minha humanidade
Que insiste em aflorar do avesso,
Presente diante da porta contrária da vida.

Ela sucumbe aos meus desejos
De (que delícia!) provar, levitar,
Na emoção e extravagância,
A permanente exuberância de constantemente
Testar-me.
Fuzilar-me.

Numa parede de terra insípida, sim.
Frente aos quadros e ramos
Da árvore principal.
Feminina.
Beijei-a.
Eu a observava.
Descrevia o tom que sua nuca transpirava
Trovões e teias. As ondulações negras e
Bem reverenciadas pela fragrância de sua noite
Contemplavam a singela musicalidade de seus olhos.

Concordo que música, naquele instante,
Soprava uma brisa quente que em meu rosto,
De repente, soletrava liras de percepção
Onde brotaram,
Fantasticamente,
Como água nascente,
Camaleões de adeus.

sábado, junho 28, 2008

Perigo

No auge do emprego de cordeis encouraçados
Nobres almas pedem arrego à coroneis alados.
Houve ventos de solários e de saunas pesticidas
Quando rindo lá no alto dos trovões, disse a Midas
Pequeno ser, és tu coagulos em tua própria razão.
Ouso nesta vida apenas deter-me em mãos, minhas.
Ele então caiu num poro de júbilo, cresceu seu crânio,
Murmurou seu arranho de tijolos isolados em caldeirões,
Riu do escárnio mal engolido, nas bocas burguesas
Das cédulas de vontade na qual giramos nossas mesas.
Vermes e moinhos puderam apreciar por audição
A voz de ferro disparando berro como um canhão
Maldição! Maldição! Na certa me julgarão tresloucado
Mas essas palavras têm intenção. Por certo que muita vez
Não as desejo em meu terno, tampouco em teu coração.
És o anjo mandado do inferno, para opor-me a consolação.´
Por vezes sinto falta do que receio nunca mais retornar ser
Uma pinça de aurora em flamas que chora a ácida solidão de ser.
Até mesmo a luz dos astros incandescentes da amplidão
Estremeceram ao presenciar o ruido da voz de João,
Que algozes musicais perplexados estabeleciam-se
Sobre os tronos de ouro sagrado de Melquíades.
Hoje inverto as linguas, subjulgo os idiomas, verto ínguas
Em espaçadas matronas. Colho água sobre a espada.
Tranco muros em calabouços obscuros, donos de imensas caudas.
De que adianta o proferir. De que adianta o esquecimento.
De que adianta não ir e continuar sedento.
De que adianta não ir e continuar sedento.
De que adianta não ir e continuar sedento.
De não continuar sedento,
adianta ir e
não ir sedento
De continuar
e
não
adianta ir e
continuar sedento.

segunda-feira, junho 23, 2008

Um momento sob o céu estrelado

"Olha os olhos de cristal!"
Aqueles olhinhos diziam:
"São olhos de cristal. Lindos!"
"Olhos de água", eu expliquei.
Era tão pequeno e estava fascinado, criança que era.
"Pegue para mim um deles", pediu.
Não quis negar.
Estendi o braço para a imensidão
E com a ponta de meus dedos
Apanhei um deles, cintilava.
Nossos pés estavam mornos próximos às chamas.
"Tente você também"
"Está bem"
Seus pequeninos dedos então apertavam
O cristal cintilante de água luminescente.
"Repare"
O rompimento do cristal fez escorrer
Sua água pura
Bem no meio de sua testa,
Nariz abaixo.
Então ele adormeceu.
Eu protegia-o.



João Miguel
Junho/08

Ainda bem que não sou um espelho

Afinal, não há final.
Dizem que sou um quadro virado contra a parede,
Antes fosse eu um espelho.
Meus rins sem cor sobem talvez
Até a nuca de Rimbaud,
Ou algum outro devaneio qualquer
Diriam que é Flaubert.
Outros (que horror!), diriam Rosseau.
Para eles sou um quadro virado contra a parede,
Mas isso não importa a eles, são gente.
Eu aqui tenho o parque de diversões do espírito,
A esbórnia da alma em profanação de sentidos,
Que berra em todos os canais auditivos,
Afinal, não há final.

Agrura

O amargo
Amargo.
Amargo.
O aspargo amargo.
O amargo do universo.
O aspargo do universo.
Universo amargo.
Largo amargo:
Largo universo.
Aspargo.
"O amargo largo do universo,
largo aspargo".
Aspargo amargo.
Largo aspargo do universo.



João Miguel

Junho/08

Um dia acordei do avesso

Um belo dia acordei do avesso.
Meus olhos possuiam um brilho claro
E quando despertei, todos eles mergulharam num profundo breu.
Os sons da janela semi-aberta, a cortina aquecida pelo sol negro
E a eterna penumbra do meu quarto
Açoitaram meu coração e sentidos.
Ao cair de cara no chão cai de costas em flajelos de ferrões.
Mas o que é a dor quando não se enxerga a chaga?
De fato não me incomodavam os lampejos prateados
De meus sonhos falecidos.
Naquela escuridão, os clarões atingiam meu rosto como uma chuva de nuvens.
Quantas vezes, quantas frases longas que loucura nem delírio alcançam.
Podemos nós, quando tudo e nada fundem-se num profundo galho de brisa,
Podemos acordar como se tivessemos enfiado a cabeça no antônimo lado das coisas?
Frases longas.
Melhor encarar os fatos.
Um banho frio me faria bem.

João Miguel
Junho/08

Navegação

Sinto o barco
Brisa a água gira
Espalham-se no chão do quarto
Ouço o ar que o som me trás, que cedo avisa:
Já morreu a melancolia.
"Já foi tarde"
O ar reclama.
"Que volte logo"
Diz a cama.
O vento sopra-me à tona.
Sigo à proa
Um lago de lama.
Piso, esmago minha gargalhada
Grito o alto canto da estrada.



João Miguel
Junho/08

domingo, junho 15, 2008

Poema de Nove Segundos

1º Segundo

Hoje comemoro a solidão de minha existência.
Não somente para saudar minha paz de momento que insisto em afirmar,
Mas cá sentado sobre o verde retorcido destas veredas em forma de arquipélago,
Sinto a cárie amarga que desatina sensualmente em deuses pardos de certeza.

2º Segundo

Os ecos de Rimbaud e harpas de cobre ácido, daqueles que escorrem e recobrem Mallarmé,
Brilham em meus pés de raizes que sugam o chão. Então O interior de minhas dimensões terrenas e arenosas vê. Dissimula o instante, a estante, o restante, a razão de Kant, o peso obliviante da vigília.

3º Segundo

Como a dor de uma agulha, e então, imensamente integrado, venho Eu cá sentar-me,
Sobre esta paisagem musga, além de quantativamente poética, Para assim berrar à brisa
Que sobre meu rosto plácido desliza.

4º Segundo

Como que neve flamejante em torturas de ópio e verrugas repletas de castas, É pleno como quando respirávamos os segundos do amor de Nefertite. O por da tarde de amor trancado e úmido em nossas palpebras, sob o nascer do sol carnívoro, Iluminado por uma espiral corrente e tênue que une minha alma ao ar da manhã, assim como esta amplidão de giz e cobertores
que, durante meio período, encobre todas as indulgências sobre as quais depositamos o que desejamos:
O primeiro segundo após a morte.

5º Segundo

Vomito esse desejo que arranha as paredes do meu fígado e rebentam em constelações de magníficas explosões dizimatórias. Estas arrancam vêias e corações dos astros suspensos diante de meus ombros, como se este cenário fosse a realidade digerida nas entranhas das cabras e rãs do entardecer.

6º Segundo

A árvore transversal está mais perto de minhas costas transparentes do que a Lua gigantesca de fermento e moléstias, comprimida ao centro.
Calado e sustentado por pulmões negros bufando névoas e uma pasta escura e apodrecida, de um vício cravado no centro de meu peito (assim como a Lua), como uma orquídea de diamante sustenta o solo.

7º Segundo

O solo. Enigmático. Ele agarra seu caule e suplica por mais uma dose de esperança.
A esperança daquelas negras pastilhas de anfetaminóides nanosintetizados projetados em rasas docas de abssinto com mercúrio e pitadas de trovão e contraceptivos.

8º Segundo

E vertigem? Ou seria fuligem? Tampouco derretem. Onde sera que está a origem?

9º Segundo

Hoje esmaguei meu corpo contra a parede com o dedo indicador e tudo, e nada também,
Diz a meus desdobramentos que meu momento de paz é a celebração da solidão de minha existência.


João Miguel

segunda-feira, abril 14, 2008

Cor

Aquela tarde úmida e nascente soletrava meus passos de pensamento.
Cravei dois seixos em minha pele, naquelas nuvens de momento.
Giravam flores e saias frutíferas, como num imenso e novo carnaval.
Rodei mil vezes em meus sonos mornos, como quem espanta o mal.

Minha vila tinha céu azul e sol de espinhos flamejantes
Qualquer um que me visse caído em cama, não perturbariam-me o instante.
E qual dessas rosas sonho, senão aquela que me pariu o filho?
Penso que somente sopro minha vida, assim como dela faço meu caminho.

De minh`alma colhe o que já apodreceu nos galhos
Certo que não peço nada, nada além de seus frios calvários.
Logo a tenda de meus olhos abre-se numa nova paixão
Saciam sua sede com orvalho e cantam soltas na amplidão.

Não entendo essa gente que me duvida a longa palavra
Sempre têm que ultrapassar sua mente, como se fosse escrava?
Não lhes rogo mal infortúnios, nem lhes desejo sua ausência.
Breve de espanto e resguardado, sugo-lhes apenas a essência.

Tenho frios e pontiagudos dedos, que é para acalmar-me o pranto.
E quando, muita vez, me quedo externo de ser eu... Apenas canto.
Minha margem fulgura minha dormente dor de amante
Olha, pois, pega em tuas mãos depois, sofre logo a dor de adiante!